numa declaração bastante crĂtica, o artista responde aos crĂticos sobre o seu ideal de arte: “i am for an art that is political-erotical-mystical that does something other than on its ass in a museum… i am for an art that takes its form from the lines of life itself, that twists and extends and accumulates and spits and drips, and is heavy and coarse and blunt and sweet and stupid as life itself”. a sua resposta, ácida e crĂtica, põe-se em rota de colisĂŁo ao pensamento formalista alimentado pela estĂ©tica moldada pelas ideias de clement greenberg. era a sua resposta Ă rosalind krauss, por esta tĂŞ-lo excluĂdo do livro passages in modern sculpture (1977), pois como defensora do formalismo greenbergiano, krauss baniu por completo o artista, nem sequer citando-o naquele que Ă© considerado a bĂblia da escultura norte-americana. krauss incluiu artistas minimalistas e pĂłs-minimalistas, apesar de condenar o teatral de muitas experiĂŞncias de artistas daquela geração, mas excluiu por completo as obras de claes oldenburg na sua exegese. defendido por lucy lippard e recuperado pelos artistas posteriores a sua geração, a obra de claes oldenburg veio a interessar exactamente aos artistas oriundos da califĂłrnia, como paul mccarthy e mike kelley, e alguns em nova york como robert gober, john baldessari e charles rey. nĂŁo se entende mesmo a recusa Ă escultura mole por parte de rosalind krauss pois a autora inclui a obra de robert morris que, em certos aspectos, comungam dos mesmos materiais.
mesmo um historiador de clássica formação como giulio carlo argan defende as acções transformadoras do artista. argan afirma que entre os expoentes da pop art dos estados unidos, “claes transforma o “objecto” de uso comum, o objecto do mass media, por meio de uma espécie de metamorfose; deste modo, não o apresenta como documento, como testemunho da civilização do consumo, mas realizando-o inicialmente em papelão, e depois em papier maché, em gesso pintado, dá inicio à assunção hiperbólica do próprio objecto, que assume proporções gigantescas, transformando-se numa versão fantasmagórica, suave, sem ângulos, que toda a sua agressividade e parece querer se reconciliar, agora “termo” e “materno”, com o homem. e eis o interruptor macio de 1966, a máquina de escrever mole, o wc mole… …seguem os objectos “duros” (dos alimentos aos cigarros, aos sorvetes de gesso, à pilha eléctrica, ao batom, à mesa de passar roupa), realizados numa escala gigantesca, que se propõem com novos “monumentos” aos novos heróis da civilização contemporânea, a serem colocados no centro de grandes praças, próximos aos arranha-céus de nossas cidades”.
ao oferecer aos materiais do quotidiano a forma e escala diferente do seu sentido inicial, claes oldenburg celebrava o poder do objecto comum nas caracterĂsticas que a pop art entendia a arte. nos anos 1960, claes iniciava um gĂ©nero de escultura pĂşblica com que Ă© usualmente indentificado, as obras grandes, feitas de materiais moles, retiradas de formas e estruturas reconhecidas do consumo, desde latas de conservas, comidas, utilitários de cozinhas, acessĂłrios, etc.. desde a sua primeira proposta, o colossal monumental drawing, de 1965, oldenburg vem perseguindo a lĂłgica baudrillardiana de que o simulacro nĂŁo Ă© o que oculta a verdade. Ă© a verdade que a oculta que nĂŁo há verdade e que o simulacro Ă© verdadeiro. ao pensar na lĂłgica assertiva Ă© de que a arte contemporânea converteu-se numa arena de auto-fagocitação narrativa e semântica, mas tambĂ©m auto-irĂłnica quando passa a citar o seu prĂłprio passado, os costumes, e representação de si mesma como simulacro. o simulacro Ă© a chave tanto para o entendimento da arte pop quanto pela obra de claes oldenburg.
para arthur danto a pop arte Ă© a verdadeira pĂłs-modernidade da arte, onde ?jeff koons e matthew barney sĂŁo os exemplares de artistas que melhor entenderam ?a questĂŁo do simulacro. sendo claes oldenburg e andy warhol os progenitores intelectuais destes. o genius loci em warhol, oldenburg, koons e barney aparecem nas apropriações do grand guignol que Ă© a sociedade norte-americana: o desporto, o glamour, o cinema, o desperdĂcio, o dinheiro, o sexo, a comida – estes formam a imagerie sĂmbolo da americanização, ou daquilo que Ă© veĂculado como tal. estes artistas lutam pelo lugar ideal usando o pastiche, a ironia, o camp, como reflexĂŁo. dissecado por susan sontag, ?o camp Ă© o filho bastardo do kitsch europeu e, como tal, explica-se na obra destes artistas, pois neste contexto o simulacro Ă© uma arma poderosa de valorização ?da cultura norte-americana.
foi, no entanto, walter benjamin que cedo alertou para os efeitos da sociedade de consumo. diz: “foi cedo – meados do sĂ©culo xix – que a cultura começou a opor-se a esse racionalismo dos objectivos. durante o perĂodo do simbolismo e da arte nova, a consciĂŞncia do facto aflorou em artistas como oscar wilde que, num gesto provocatĂłrio, apelidaram a arte de desnecessária. mas, na sociedade burguesa – e, para falar verdade, nĂŁo Ă© sĂł um fenĂłmeno recente – as relações entre o Ăşltil e o inĂştil ocupam o lugar daquilo que o lucro já nĂŁo conseguiria desvirtuar. muito do que Ă© classificado como bem utilitário ultrapassa a imediata reprodução biolĂłgica da vida”.
baralhar citações, apropriar-se do feito, modificá-lo e devolvê-lo sob o status do reconhecido, igual mas ainda sim diferente, parece ser a vontade de joão noutel. a obra voyeur, no âmbito do giant, the voyeur project, é uma assimiliação da modus operandi de claes oldenburg. uma escultura em poliuretano e fibra de vidro, de profunda cor negra, em forma de binóculos, tal qual as peças de claes, exacerbam sua dimensão, impossibilitando o seu uso, uma espécie de maximização de um readymade re-modificado. “nesta estreita relação entre o simbolismo iconográfico da focalização, na procura da nitidez do que se pretende olhar e ver, reside a composição narrativa e a singularidade deste objecto perdido, em pleno estado de conservação, que ora vive num espaço público, de passagem ou num cenário privado, de encontro”, aponta o criador. a obra denuncia um gigante – será que ele virá? será que existe? como as personagens de pirandello à espera do gigante da montanha, porém nunca chegam.
para o artista, voyeur Ă© tambĂ©m uma obra sĂntese da linha de trabalho que vem seguindo nos Ăşltimos anos, com uma especial atenção e intenção de materializar tridimensionalmente a componente iconográfica do universo ou construção ficcional. na tentativa de aproximar pĂşblicos, provocando-os, colocam-se questões de focalização; ou seja, apresentam-se pistas de percepção do que no quotidiano cada um observa e constrĂłi como sendo a (sua) realidade, a forma como a interpreta e aquilo que relativamente a ela se opta por olhar. nessa construção recolhem-se elementos de confronto entre distância versus proximidade; acessĂłrio versus o essencial; presença versus ausĂŞncia; importância versus superficialidade, atravĂ©s de mecanismos de acerto do que se observa, com a nitidez subjectiva pretendida, filtrando o que interessa, percepcionando o menos Ăłbvio, vendo o que apesar de distante, se pode tornar perto”.
tambĂ©m as suas pinturas guardam um voyeurismo tipicamente pop, como as de rosenquist, ou mais tardiamente as baldessari. nĂŁo Ă© sĂł influĂŞncia, Ă© mesmo reverĂŞncia. rosenquist trouxe para a pintura o flagrante delito do espreitar atravĂ©s de janelas, dos buracos, dos orifĂcios da arquitectura, dos espaços, como um viciado escĂłpico – tomamos aqui emprestado o conceito lacaniano -; de baldessari, a materialização destes espaços pela(s) cor(es) que encobrem e revelam novos espaços e narrativas na pintura. joĂŁo noutel faz essa referĂŞncia com nĂtida consciĂŞncia da apropriação e, elegantemente, entrega ao espectador, voyeur, que se arrisque neste mundo citacional, recombinando claes oldenburg, andy warhol, james rosenquist e john baldessari em seu projecto voyeuristico.
rorimer, anne, new art in the 60th and 70th – redefing reality, london: thames & hudson, 2001 • krauss, rosalind, caminhos da escultura moderna; tradução: julio fischet, - são paulo: martins fontes, 2001 • lippard, lucy, a pop art; são paulo: edusp, 1976 • argan, giulio carlo, arte moderna, tradução: denise bottmann e federico carotti; são paulo: companhia da letras, 1993
paulo reis,
crĂtico de arte
In a rather controversial declaration, the artist answers art critics regarding his ideals on art: “I am for an art that is political-erotically-mystical that does something other than on its ass in a museum… I am for an art that takes its form from the lines of life itself, that twists and extends and accumulates and spits and drips, and is heavy and coarse and blunt and sweet and stupid as life itself”. His answer, acid and critical, collides with the mainstream thinking, nourished by the aesthetics shaped by Clement Greenberg. It was his reply to Rosalind Krauss, who excluded him from the book “passages in modern sculpture” (1977). Being an advocate of the “greenbergian” formalism, Krauss totally banished the artist, not even mentioning him in the book considered the bible of north American sculpture. Krauss included minimalist and post-minimalist artists, in spite of condemning the theatrical side of many experiences of artists of that generation, but excluded, completely, the work of Claes Oldenburg in her exegesis. Defended by Lucy Lippard and recovered by the posterior artists of his generation, the work of Claes Oldenburg became appealing precisely to the artists from California, such as Paul Mccarthy and Mike Kelley, and some in New York, such as Robert Gober, John Baldessari and Charles Rey. One does not understand Rosalind Krauss’ soft sculpture refusal since the author includes Robert Morris’ work which, in certain aspects, shares the same materials.
Even a historian with a classic education such as Giulio Carlo Argan supports the transforming actions of the artist. Argan alleges that amongst the most representative pop art artists of the USA, “Claes transforms the common “object”, the mass media object, by means of a kind of metamorphosis; in this way, he does not show it as a document, a testimony of a consumer society, but making it, initially, in paperback and further on in papier maché, in painted clay, he rather gives birth to the hyperbolic assumption of the real object, which assumes gigantic proportions, turning it into a phantasmagorical version, soft, without angles, all its aggressiveness seeming to reconcile now with the human being in a “tender” and “maternal” way. And here is the soft switch of 1966, the typewriting machine, the soft wc… Then the “hard” objects follow (from food to cigarettes, to the clay ice creams, the electrical battery, the lipstick, the ironing table) made in a gigantic scale, presenting themselves as new “monuments” to the new heroes of contemporary civilization, to be placed at the centre of big squares, near the skyscrapers of our cities”.
In offering the daily materials a different form and scale from their original nature, Claes Oldenburg celebrated the power of the common object within the characteristics of how pop art understood art. In the sixties, Claes started to work a kind of public sculpture to which he is usually associated, the huge pieces, made of soft materials, inspired in acknowledged consumption shapes and structures, from cans, food, kitchen appliances, accessories, etc.. Since his first proposal, the colossal monumental drawing, of 1965, Oldenburg is pursuing the “baudrillardian” logic in which it is not the simulacrum that hides the truth. It is the truth that hides it, that there is no truth and the fake is true. Thinking with an assertive logic, contemporary art has turned into an arena of auto-phagocytic narrative and semantics, but it is also auto-ironic when appealing to its own past, customs, and its own representation as a simulacrum. The simulacrum is the key to the understanding of both pop art and Claes Oldenburg’s work.
To Arthur Danto, pop art is the true post-modernism in art, where Jeff Koons and Matthew Barney are an example of the artists that better understood the simulacrum question, having Claes Oldenburg and Andy Warhol as their intellectual fathers. The genius loci in Warhol, Oldenburg, Koons and Barney turn up in the appropriations of the grand guignol that characterises the American society: the sport, glamour, cinema, waste, money, sex, food – these form the imagery, the symbol of Americanization, or of what is conveyed as such. These artists fight for the ideal place, using the pastiche, the irony, the camp, as a reflection. Analyzed by Susan Sontag, the camp is the illegitimate son of the European kitsch and, as such, it is self explained in these artists’ work, once in this context the simulacrum is a powerful weapon in the valuation of north American culture.
However, it was Walter Benjamin that earlier on called our attention to the results of the consumer society. He says: “it was early – middle of XIX century – that culture started to oppose itself to the rationalism of objectives. During the period of symbolism and art nouveau, the conscience of the fact surfaced in artists like Oscar Wilde who, in a provocative way, declared art as unnecessary. But, in the bourgeois society – and speaking the truth, it is not only a recent phenomenon –the relationship between the useful and the useless stand in the place of what profit can no longer usurp. Much that is classified as an utilitarian good surpasses the immediate biological reproduction of life”.
Shuffling citations, accommodating actions, modifying and returning it with a recognition status, equal but still different, this seems to be João Noutel’s desire. The voyeur piece, in the giant area, the voyeur project, is an assimilation of Claes Oldenburg’s modus operandi. A sculpture in polyurethane and fibreglass, in a profound black colour, in the shape of binoculars, exactly like the pieces of Claes, exacerbates its dimension, rendering impossible its use, a kind of re-modified readymade maximization. “In this close relationship with the iconographical symbolism of focus, in the search for the sharpness in what one wants to look and observe, resides the narrative composition and the singularity of this lost object, in a complete state of preservation, that either living in a public space, in a place of passing through or in a meeting place, in a private scenario”, points at the creator. The work announces a giant – will he be coming? Does he really exist? Like the characters in Pirandello waiting for the mountain giant, though they never come. For the artist, voyeur is also a synthesis in the line of work he has been following during the last years, with a special attention and intention towards the tridimensional materialization or fictional construction of the universe’s iconographic component. In trying to attract audiences, in challenging them, focus is questioned; in other words, perception clues are presented regarding what each one observes and constructs daily as his/her reality, the form in which reality is interpreted and the way each one opts to look at it. In this construction, conflicting elements between distance and proximity are assembled; accessory versus essential; presence versus absence; importance versus superficiality, through adjusting mechanisms of what is perceived, with the desired subjective clearness, filtering when interesting, guessing the less obvious, seeing what, in spite of distant, may become near”.
His paintings also display a typical pop voyeurism, like those of Rosenquist, or later on Baldessari’s. It is not only influence but rather reverence. Rosenquist introduced in painting the Baldessari flagrant delict of peeping through windows, holes, architectural orifices, spaces, like an “escopic” addict – we are borrowing here the “lacanian” concept - the materialization of these spaces through colour(s) that hide and reveal new spaces and narratives in painting. João Noutel refers to this with a clear conscience of appropriation and, with elegance, asks the observer, the voyeur, to risk within the citational world, combining Claes Oldenburg, Andy Warhol, James Rosenquist and John Baldessari in his voyeuristic project.
Rorimer, Anne, New Art in the 60th and 70th – redefining reality, London: Thames & Hudson, 2001 ? Krauss, Rosalind, Caminhos da Escultura Moderna: translation: Julio Fischet, - São Paulo: Martins Fontes, 2001 ? Lippar, Lucy, a pop art; São Paulo; edusp, 1976 ? Argan, Giulio Carlo, arte moderna, translation: Denise Bottmann and Federico Carotti; São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
Paulo Reis,Art Critic